20 de dezembro de 2008

Escova


Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. 
No começo achei que aqueles homens não batiam bem.
Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso.
Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos.
E que eles faziam o serviço de escovar o osso por amor.
E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterrados por séculos naquele chão.
Logo pensei de escovar palavras.
Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos.
Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras.
Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas.
Eu queria então escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma.
Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos.
Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha.
Passava horas inteiras, dias inteiros fechados no quarto, trancado, a escovar palavras.
Logo a turma perguntou: o que eu fazia o dia inteiro trancado naquele quarto?
Eu respondi a eles, meio entresonhado, que eu estava escovando palavras.
Eles acharam que eu não batia bem.
Então eu joguei a escova fora.


Manoel de Barros

3 comentários:

Victor S. Gomez disse...

Um abração para o Freed Bening, Feliz natal e um ano novo cheio de paz e sucesso.

Victor S. Gomez disse...

Incrível esse cara. Manoel de barros é puro sentimento, as palavras brotam como flores, leves e belas, é de uma espontaniedade impresionante, chega a me dar tonturas. Qualquer hora vou publicar esse post no meu blog, com sua permissão, é claro, com link e tudo que tem direito. Abraços

p.s.Vocês estão no diHITT, senão estão, entrem para essa rede social, ela dará mais visibilidade para seu trabalho.

Raquel Mendonça disse...

Concordo com você Victor.
Manoel de Barros para mim, é totalmente "desequilibrante".
Adoro a maneira como ele transforma "coisas" simples em poesia.
Mas a poesia é isso né!
Ele é simplismente maravilhoso.
E pode publicar sim.
Tem um texto dele que eu adoro, mando pra você depois.

Abraços