12 de setembro de 2010

Uns Versos Quaisquer

 
Tela "Sabrina", Modigliani


Vive um momento com saudade dele
Já ao vivê-lo. . .

Barcas vazias, sempre nos impele
Como a um solto cabelo
Um vento para longe, e não sabemos,
Ao viver, que sentimos ou queremos. . .

Demo-nos pois a consciência disto
Como de um lago
Posto em paisagens de torpor mortiço
Sob um céu ermo e vago,
E que nossa consciência de nós seja
Uma cousa que nada já deseja. . .

Assim idênticos à hora toda
Em seu pleno sabor,
Nossa vida será nossa anteboda:
Não nós, mas uma cor,
Um perfume, um meneio de arvoredo,

E a morte não virá nem tarde ou cedo. . .

Porque o que importa é que já nada importe. . .
Nada nos vale
Que se debruce sobre nós a Sorte,

Ou, tênue e longe, cale
Seus gestos. . . Tudo é o mesmo. . . Eis o momento . . .
Sejamo-lo. . . Pra quê o pensamento?. . .


Fernando Pessoa

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