30 de julho de 2010

No Araguaia


I

Nestas praias sem cercas e sem dono
do velho Araguaia,
achei um amigo, escuro,
de cara pintada a jenipapo e urucum:
o carajá Araticum – uassu

Seus músculos são cobras grossas
que incham sobre o couro moreno;
suas narinas têm sete faros;
e nos seus ouvidos há cordas sutis, onde ressoa o pio
curto e triste,
que, mais de um quilometro distante,
solta o patativo borrageiro.

Quando o rio ensolado enruga, em qualquer ponto,
a lâmina lisa de níquel molhado,
ele traduz , na esteira da mareta,
com o binóculo faiscante dos olhos,
o tamanho e a raça do peixe navega escondido.
E a flechada vai arpoar, certeira , debaixo d’água,
o pacamã ou o pirarucu.

A mata não lhe dá mais surpresas
(tem vinte presas onça preta no colar),
nem o rio lhe conta mais novidades
(ele é capaz de flutuar , até dormindo,
correnteza abaixo, como um pau de pita).

Hoje eu lhe perguntei:
--“Como foi feito o mundo,
ó meu patrício Araticum Uassu?...”
Ele riu, deu um mergulho no rio,
e emergiu, com a cabeleira em gotas,
sem precisar de falar...
— “Bem, mas o que é mesmo a vida, meu irmão moreno?...”


Araticum-uassu riu com mais gosto ainda,
e saiu a remar, com esforço simulado,
tangendo a piroga corredeira acima...
--“Muito bem, amigo, quero saber, agora,
o que pensas do amor...”


Desta vez ele não riu --- franziu o rosto,
e jogando fora o remo de taquara,
deitou-se na canoa, indiferente,
com olhos fechados, braços cruzados,
e deixando-se levar pela corrente, à-toa,
sumiu na curva,atrás do saranzal... 


João Guimarães Rosa
 

(Magma –Editora Nova Fronteira)

2 comentários:

Vittoria disse...

Gosto muito deste blog.

Raquel Mendonça disse...

Obrigada Vittoria.
Seja sempre bem vinda.
Bjos