22 de agosto de 2009

Noturno


Têm para mim chamados de outro mundo
as noites perigosas e queimadas,
quando a lua aparece mais vermelha
são turvos sonhos, mágoas proibidas,
são ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo aqui.

Será que mais alguém vê e escuta?

Sinto o roçar das asas amarelas
e escuto essas canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.

Diluídos na velha luz da lua,
a quem dirigem seus terríveis cantos?

Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.

Que vale a natureza sem teus olhos,
ó aquela por quem meu sangue pulsa?

Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão...

Mas, não: a luz escura inda te envolve,
o vento encrespa as águas dos dois rios
e continua a ronda, o som do fogo.

Ó meu amor, por que te ligo à morte?


Ariano Suassuna

3 comentários:

Eurico disse...

Quanto bom gosto e simplicidade, na edição deste blogue. Há poucos como o teu, na net. A escolha dos poemas, as imagens. Perfeito. Parabéns.

Renato disse...

Eurico disse tudo, faço minha as palavras dele. E quanto a Paulo Leminski? Você não gosta?

Parabéns.

Raquel Mendonça disse...

Obrigada Eurico e Renato.
Sejam sempre bem vindos!
Abraço

OBS:Renato, gosto sim do Leminski.
Vou postar um.