13 de julho de 2009

A Draga


A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no Porto, como um pé de árvore ou uma duna.
- E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferrugens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.
Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um caranguejo trôpego
À procura de velórios.
Gostava de velórios.
Os bolsos de seu casaco andavam estufados de jias.
Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.
Geléia de sapos!
Só as crianças e as putas do jardim entendiam a sua fala de furnas brenhentas.
Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapos! Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria Captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele...
O literato cujo, se não me engano, é hoje senador pelo Estado.
Se não é merecia.
A vida tem suas descompensações.
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restram as expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria
Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois que o povo já as registrou.

Manoel de Barros

Poemas Concebidos sem Pecados - Postais da Cidade

4 comentários:

V_ Leal disse...

Um achado seu blog!

as melhores receitas disse...

a draga realmente deve estar la ate hj...belo post,,parabens

Raquel Mendonça disse...

Obrigada meninas.
Beijos!

Big clash disse...

Olá Raquel,
maavilha de postagem, valeu.
Aproveitou para convidá-la para visitar meu novo blog
http://daquidepitangui.blogspot.com/
Apareça.
Abraços.